Um dossiê sobre nutrição vegetariana na gestação

Você conhece alguma mulher vegetariana ou vegana que tenha voltado a comer carne durante a gestação, porque o médico disse que era preciso? Pois bem, no meu consultório eu recebo um grande número de relatos assim e, eu posso te dizer com todas as palavras e de forma assertiva:ninguém, sob hipótese alguma, em nenhuma condição clínica ou fase da vida precisa comer carne, laticínios ou ovos se não o desejar.

Vivemos em um tempo onde informação não é um problema. Já existem muitos estudos, livros, consensos e guias alimentares que detalham tim-tim por tim-tim como ter uma alimentação vegetariana, mesmo estrita, em qualquer situação. Digo mais, se em algum momento for necessário incluir algum nutriente que a alimentação baseada em vegetais não consiga suprir, já é possível encontrar produtos veganos de excelente qualidade que podem ser comprados facilmente a um clique em qualquer lugar do país.

Assim, consumir alimentos de origem animal ou não é uma escolha inteiramente pessoal e se alguém te disser que você ou suas crianças ficarão deficientes em algum nutriente, pode comprar a briga (ou encaminhar esse post)!

A gestação é um dos principais momentos em que essa dúvida pode pairar e, por isso, trago aqui algumas das principais recomendações para que esta fase tão bonita possa ser aproveitada de forma tranquila e sem prejudicar nenhuma vida, nem a sua, nem a da criança, nem a de qualquer animal.

Diversas mudanças acontecem no organismo durante a gestação como uma forma de adaptação ao novo serzinho que está se desenvolvendo e, obviamente, os cuidados com a saúde e a alimentação devem aumentar, independentemente do tipo de dieta que a mulher segue. A seguir veremos os principais cuidados com a alimentação da gestante vegetariana.

 

1) Como atingir a necessidade diária de energia com alimentos de origem vegetal:

Uma alimentação vegetariana tende a ter uma densidade energética mais baixa que uma alimentação onívora, isto é, possui um valor calórico reduzido, devido ao consumo de mais alimentos ricos em fibras e pobres em gorduras saturadas. Para atingir a necessidade diária de energia é fundamental enriquecer a alimentação com que possuem uma densidade energética mais elevada, mas que sejam nutritivos, tais como castanhas, nozes, amêndoas, amendoim, coco e outras sementes oleaginosas (gergelim, chia, linhaça, semente de abóbora, girassol, entre outras), abacate, cereais integrais (arroz, milho, trigo, aveia, quinoa, painço), leguminosas (feijão, grão de bico, lentilhas, ervilhas, tofu).

2) E as proteínas?

A Organização Mundial da Saúde recomenda que 10 a 15% da nossa necessidade energética diária seja atingida a partir do consumo de proteínas. Estudos têm revelado que mulheres ovolactovegetarianas consomem entre 12 e 14%, enquanto mulheres veganas consomem entre 10 e 12% das calorias diárias derivadas de proteínas. No primeiro trimestre de gestação a necessidade de proteínas não se altera, sendo de 0,8 g de proteínas/kg de peso atual da gestante. Já a partir do segundo trimestre, devido ao crescimento do feto, recomenda-se um aumento para 1,1 g de proteínas/kg de peso atual da gestante. A boa notícia é que, aumentando os alimentos ricos em calorias mencionados na seção anterior, como castanhas e sementes oleaginosas, cereais integrais e leguminosas, automaticamente já aumentamos os níveis de proteínas na dieta.

3) Mas não pode ter anemia se não comer carne vermelha?

Então, pode ter anemia com carne vermelha também! O Ministério da Saúde recomenda a suplementação de 40 mg de ferro, diariamente, para TODAS as gestantes e nutrizes, sejam elas vegetarianas ou onívoras. Isso porque, na gestação, as necessidades de ferro aumentam muito, pois o mineral é utilizado na formação da hemoglobina, estando envolvido no transporte de oxigênio para todas as células da mãe e do feto. Mas, o organismo também é muito sábio, pois, nesta fase, há um aumento da absorção intestinal de ferro (e de outros minerais) e a própria ausência da menstruação durante a gestação auxilia a reter mais o mineral no organismo. De toda forma, suplementar ferro já é um protocolo adotado em todo pré-natal, como forma de prevenção à anemia. A necessidade de ferro para mulheres de 14 a 50 anos na gestação é de 27 mg ao dia. Por isso, um suplemento de 40 mg e uma alimentação rica em cereais integrais, leguminosas, castanhas, sementes oleaginosas e vegetais de folhas verde-escuras (couve, brócolis, mostarda, rúcula, agrião, escarola, etc.) consegue suprir tranquilamente esta necessidade.

f42e860b 68b1 4a6a 80c0 92fdfc5da8c0 - Um dossiê sobre nutrição vegetariana na gestaçãoVale lembrar que incluir uma fruta cítrica, fonte de vitamina C, na mesma refeição em que se irá consumir alimentos ricos em ferro ajuda a aumentar em 2 a 3 vezes a absorção do mineral. Por outro lado, laticínios, café, chá preto, mate ou verde e cacau devem ser evitados na mesma refeição rica em ferro ou até 2 horas antes ou depois da mesma, pois podem reduzir sua absorção intestinal.

4) Gestante vegana deve se preocupar com o cálcio?

A necessidade de cálcio na gestação não se altera, sendo a mesma de uma mulher adulta não gestante. Se a gestante consumir laticínios, recomenda-se consumir suas versões menos gordurosas em torno de 2 a 3 vezes ao dia, como iogurtes naturais e queijos magros. Caso seja uma gestante vegana, é importante se assegurar de incluir na alimentação fontes vegetais de cálcio, como gergelim ou tahine, amêndoas, chia, linhaça, castanhas e nozes, temperos como coentro, manjericão, salsinha, cebolinha, feijões, grão de bico, ervilhas, tofu produzido com sulfato de cálcio, vegetais de folhas verde-escuras, aveia, quinoa, amaranto. Os suplementos próprios para a gestação suprem cerca de 25% da necessidade de cálcio da gestante nessa fase.

5) Sol é fundamental

A vitamina D é sempre uma preocupação para pessoas que adotam uma dieta vegetariana estrita, uma vez que suas principais fontes alimentares são peixes, gema de ovo e manteiga, que não fazem parte da alimentação dessas pessoas. A vitamina D exerce muitas funções no organismo, sendo o aumento da absorção intestinal de cálcio e da fixação do mesmo nos ossos as mais bem estabelecidas. Gestantes com estado nutricional deficiente em vitamina D podem apresentar risco aumentado de eclâmpsia, e de gerar bebês com tetania e raquitismo congênito. A exposição solar da face, das mãos e dos antebraços por 10 a 15 minutos, duas a três vezes por semana, é suficiente para manter níveis adequados da vitamina. De toda forma, recomenda-se avaliação laboratorial regularmente para avaliar a necessidade de suplementação. Atualmente já é possível encontrar a versão vegana do suplemento, que antigamente só era extraído da cera de lã de ovelha.

6) A nossa querida vitamina B12 (e o famoso ácido fólico)

Já sabemos que a vitamina B12 é o único nutriente que deve ser suplementado em pessoas que adotam uma alimentação baseada em vegetais, certo? (Se quiser saber mais sobre isso veja o post aqui). As necessidades desta vitamina na gestação, assim como de ácido fólico, também aumentam, pois ambos estão envolvidos na formação das células vermelhas do sangue da mãe e do feto. Se os níveis de vitamina B12 da gestante estiverem abaixo de 490 pg/mL, ela deve ser suplementada sob orientação de um nutricionista ou do médico que acompanha a gestante, pois sua deficiência está associada ao parto prematuro. Em relação ao ácido fólico, gestantes vegetarianas consomem uma grande variedade de frutas e hortaliças, fontes do nutriente, e tendem a consumir maiores quantidades que gestantes onívoras. Mesmo assim, recomenda-se o início da suplementação com ácido fólico cerca de 1 mês antes a 6 semanas após a concepção, a fim de reduzir o risco de defeitos do tubo neural. Em geral, suplementos multivitamínicos específicos para a fase gestacional já incluem esses nutrientes, embora a grande maioria dos suplementos nacionais não seja vegano.

7) Zinco, o mineral pouco lembrado

O zinco é um mineral envolvido em processos de diferenciação e replicação celular, atuando em processos de formação e recuperação de tecidos. Um estado nutricional pobre em zinco na gestação está associado com baixo peso ao nascer, anormalidades congênitas, trabalho de parto prolongado e nascimento prematuro. A ingestão de zinco por vegetarianos tende a atingir as recomendações, já que cereais integrais, leguminosas e castanhas são suas principais fontes de origem vegetal. Entretanto, devido ao elevado teor de fibras e fatores anti-nutricionais da dieta vegetariana, é possível que sua absorção seja prejudicada. Para aumentar o seu aproveitamento, o processo de maceração (deixar de molho) e cozimento de leguminosas torna-se de extrema importância. Veja mais sobre isso aqui.

8) Iodo: cuidado com sal importado

O iodo é o mineral que participa da síntese dos hormônios da tireoide da gestante e do feto e sua necessidade é aumentada na gestação. Suas principais fontes são peixes, frutos do mar e laticínios, alimentos não consumidos por gestantes veganas. Consumir sal iodado, portanto, é a forma mais segura de atingir a necessidade do mineral. No Brasil há uma regulamentação que obriga a iodação do sal, mas nem todos os países seguem a mesma obrigatoriedade. Por isso, consumir esses novos sais gourmet importados, em substituição ao sal marinho iodado, pode não ser uma boa opção para gestantes veganas. Em contrapartida, a ingestão regular de pequenas quantidades de algas pode suprir as necessidades de iodo.

9) Ômega 3: a gordura essencial

No último trimestre da gestação o feto acumula cerca de 50 a 60 mg de ômega-3 no cérebro e na retina, em sua maior parte do tipo DHA. Crianças de gestantes vegetarianas tendem a ter uma menor concentração dessa gordura no plasma do cordão umbilical, embora a significância desse fato ainda não seja conhecida. Alguns estudos demonstram que suplementar DHA na gestante vegetariana pode promover melhor acuidade visual e melhor função cognitiva no primeiro ano de idade das crianças. Por isso, a Associação Brasileira de Nutrologia, desde 2014, recomenda a suplementação diária de 200 a 600 mg de DHA durante a gestação e lactação. Atualmente é possível encontrar suplementos veganos de DHA à base de algas. Linhaça, chia e nozes, ou seus óleos prensados a frio, contêm ômega 3 do tipo ALA, que pode ser convertido no nosso organismo em DHA, mas, até o momento, não se conhece a eficácia exata dessa conversão. Por isso, a suplementação do DHA ainda é a forma mais garantida de obter o nutriente nesta fase.

Resumindo, a gestante vegetariana pode manter sua escolha alimentar durante toda a gestação normalmente, mas alguns cuidados extras devem ser tomados. É ideal que ela seja acompanhada por um nutricionista especializado em alimentação vegetariana, para que ela possa ser orientada quanto à melhor forma de incluir tais cuidados dentro da sua rotina, dos seus hábitos e preferências pessoais.

Se você deseja manter um acompanhamento nutricional na gestação ou se tiver alguma dúvida sobre algum tópico mencionado aqui, entre em contato.

Seguimos!

Natália Utikava
Nutricionista
CRN/SP 40.387